Detalhes (que não são detalhes)
Há pequenas coisas que nos passam ao lado, de uma forma tão simples que nem damos conta, muitas vezes.
Há uns tempos estava a assistir a um filme e, num jantar de família, um dos casais entrava numa discussão sem fim, o que em termos teóricos toma a designação de escalada simétrica. Ambos se insultavam e agrediam verbalmente, num tom de voz cada vez mais alto e ríspido. A certa altura, Rui levanta-se da mesa e sai de casa. Horas depois, envia à esposa, Ana, uma mensagem a dizer que estava farto da situação em que viviam, que para ela, ele nunca fazia nada bem, que da parte da mulher havia sempre uma crítica a fazer e nunca um elogio, nunca uma palavra atenciosa. Ana ficou desolada, caindo em lágrimas no colo da irmã Júlia, sem conseguir perceber o porquê de tamanha decisão. Era algo que lhe parecia brusco e descabido. Por que razão teria ele tomado aquela atitude? O que teria acontecido no jantar para ele decidir terminar com o casamento? Nisto, Júlia pede a Ana para que lhe mostrasse o seu telemóvel, para ver a troca de mensagens do casal. Há meses que as mensagens do agora ex-casal se assemelhavam a uma lista de lembretes, desprovidas de qualquer gesto atencioso, palavra meiga ou reconfortante. Atenção que isto pode ser uma realidade absolutamente normal e rotineira para um determinado "tipo" de casal. Cada casal tem os seus próprios ingredientes para a confeção da sua receita ideal. No entanto, ali este era um ingrediente necessário e que há muito estava fora de stock. Perante tal situação, sem Ana saber, Júlia mandou uma mensagem a Rui, do telemóvel da esposa desolada, pedindo-lhe desculpa por toda a falta de atenção e de carinho que mostrara nos últimos meses. Foi o suficiente. Pouco depois Rui regressou a casa, correndo para os braços de Ana, dizendo que a amava e que não conseguia viver sem ela. Mesmo sem perceber o que se passou, Ana ficou a perceber que ambos se precisavam de mimar, de namorar, de nutrir o que juntos iniciaram - uma relação - que longe de ser perfeita, é também uma obra nunca acabada.